Em dezembro, postei uma manada de 12 rinocerontes
criados por diversos amigos pintores, chargistas, caricaturistas e por mim,
para comemorar o 102º aniversário do teatrólogo e romancista Eugéne Ionesco,
cuja obra mais conhecida no Brasil é a peça Rinoceronte. Fiquei devendo uma
continuação, com os trabalhos que na ocasião não pude postar por excesso de
peso: 25 paquidermes é dose pra carreta – e o Blogger é um burro-sem-rabo.
Acabei deixando a postagem da 2ª manada
para hoje, 28 de março, quando Ionesco completa sua maioridade como defunto: 18
aninhos bem morridos e pouco lembrados – o que seria um absurdo, não fosse ele
um dos expoentes, ao lado de Samuel Beckett, do chamado Teatro do Absurdo. Aqui
vão mais 13 rinocerontes, ilustrados por textos absurdamente realistas.
Tetrarrinus,
o rinoceronte brasileiro
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Desenhista anônimo. . . . . . . . . . . . . . . .
O Tetrarrinus foi avistado e desenhado pelo naturalista
polonês Jean-Cristof Zamenhof, durante a expedição científica que empreendeu
pelo Alto-Oiapoque no início da década de 1890. A página faz parte do
diário da expedição e o fac-simile nos foi enviado pela FB Editorial, que detém
os direitos de publicação do que resta do diário e da tese de doutorado sobre
ele, de autoria do pesquisador Modesto Leal.
Ocorre que recebemos também, do autor da
tese, cópia de desenho anônimo que ele diz ser a prova de que tal página do diário
foi falsificada pela FB Editorial. O pesquisador informa ainda que Jean-Cristof
era esquizofrênico, tendo anotado, “sem desenhar”, a visão de um rinoceronte, durante
a travessia da Ilha de Marajó. “Parece-me evidente – diz Leal – que o cientista
delirou ao avistar algum búfalo da ilha.”
(Ambos
os desenhos são, na realidade, do recém-falecido artista plástico Hélio
Jesuíno, com
quem eu vinha desenvolvendo a história dessa expedição fantástica. Ele chegou a
fazer algumas páginas com vários desenhos a bico de pena “de Jean-Cristof” e
a postá-las em seu blog: heliojesuino.wordpress.com/ ).
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Súbito
como uma interjeição
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Hermé.. . . . ....... . . . .
Conheço o Hermé de nomes (ele tem vários) há
tempos. Agora, nos reencontramos no feicebuque e já começamos a entabular
grandes planos. O primeiro deles é bastante ousado, um desafio e tanto, mas temos
fé que será possível realizá-lo nos próximos 20 ou 30 anos: nos sentarmos num boteco pra beber cerveja
com nosso grande amigo comum, o Hélio Jesuíno.
Hermé teve intensa participação nesta
postagem, com dicas enigmáticas e críticas codificadas sobre questões que nada
tinham a ver com o assunto. Tudo, graças a sua gentileza rara e também à
profunda ignorância que vem acumulando sobre rinocerontes desde a Páscoa de
2002, quando encontrou, por acaso, uma pequena manada deles dançando minueto na
sala de espera de seu psiquiatra.
– Eles conseguem voar sem bater as asas, já
reparou, doutor?
– Os rinocerontes, Hermé???
– Não. Os aviões.
O Carroceronte
Jorge Eduardo. . . . ...... . .
Isso é só um esboço, o embrião de um
projeto. Mas quando o Jorge Eduardo terminar de pintar, ele e seus
pincéis-de-condão de hiperrealizar... o motor vai roncar – ou melhor, vai
bramir, como todo rinoceronte que se preza. Então, embarcaremos nós dois no Carroceronte
e ganharemos as ruas, Jorge dando tiro de meta em tudo que é carro murrinha e
buzinador, e eu selecionando, para ele catapimbar, certas velhinhas que, chova
ou faça sol, saem às ruas com o único objetivo de enfiar as barbatanas da
sombrinha no meu olho. Ah, mandaremos essa corja toda à rinogenitora que a
pariu. Mandaremos mesmo, sem dó nem cascadura, em defesa da sagrada pátria de
havaianas!
--- Aiôôô, Rin-tim!!
O Ornitorrinoceronte
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Luiza
Nogueira Maciel. . . . ....... . .
A Luiza foi à Austrália para nos trazer esse
belo espécime de Ornitorrinoceronte. Ela trouxe também mais três rinos daquele
país de animais estranhíssimos, o mais curioso deles um pequeno canguroceronte,
com 0,35 quilo de peso. Mas esses só serão postados um de cada vez, nos próximos
eventos ionescos anuais do Desinformação Seletiva.
Bronze
de argila / Argila de bronze
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Salvador Guilherme Dalí Toledo . . . . . . . ..
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Guilherme Toledo, meu querido mestre de
cerâmica, não pôde participar desta farra rinocerôntica, por problemas
particulares. Não pôde? Não podia. Porque esbarrei numa foto desse rinoceronte
esculpido por Dalí e, brincando com a imagem, descobri que, na inversão de
cores, o bronze azinhavrado “virava” terracota. Na brincadeira não podiam
faltar os piões de Mestre Gui, alguns tão grandes que ele precisa recorrer à
queima em forno de cerâmica industrial. O maior deles (por enquanto!) tem quase
3 metros
de circunferência – número superior, provavelmente, ao de neurônios da cliente que
o encomendou. Para ter o piãozão em casa, a desvairada senhora precisou fazê-lo
entrar pela janela... no 17º andar!
O
Minhoceronte
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Theopha . . . . . . . ..
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Esse exótico rinoceronte foi encontrado, como
divulgou amplamente toda a mídia, no jardim de um condomínio de luxo da Barra
da Tijuca, país vizinho ao Rio de Janeiro. Foi batizado de Minhoceronte pelo
jardineiro que, ao revolver a terra de um canteiro, o encontrou contorcendo-se feliz
da vida no meio das minhocas. Zoólogos já descobriram características interessantíssimas
sobre a nova espécie, tais como:
1 – O animal é hermafrodita – metade macho,
metade fêmea;
2 – A metade fêmea tem a língua bem maior
que a da metade macho – e fala, numa língua ainda não identificada;
3 – A metade macho tem orelhas muito menores
e não ouve nada do que a metade fêmea diz;
4 – A metade fêmea tem a bossa cervical bem
menor, o que levou os cientistas a acreditarem ser ela menos inteligente. Num
segundo momento, porém, verificou-se que a bossa não continha o cérebro – e sim
o intestino;
5 – A metade macho é mais chifruda;
6 - A prática sexual do minhoceronte
resume-se ao beijo, durante o qual o animal assemelha-se a uma grande rosca;
7 – A reprodução, especula-se, dá-se por
cissiparidade. Conforme explicou um zoólogo, “o bicho cresce esticando, e com
tal intensidade que, a qualquer momento, poderá arrebentar no meio e formar
dois novos indivíduos”.
A Lelenocerontenina
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Lelena Terra . . . . .. ... .. . .
A Lelenocerontenina, um dos muitos tipos
arbóreos popularmente conhecidos como pé de nuvem, é figurinha fácil nas
savanas hipotéticas e nos psicopampas. Como todas as mais de setecentas
espécies conhecidas da família Nebuliaceae, distingue-se por apresentar, em vez
de folhas, nuvens e, em vez de flores, seres nube-passeantes, que variam
conforme a espécie. No quintal, tenho meu pé de nuvem: uma Lelenopódia Mimoesquerdata,
cujas nuvens são passeadas por pés esquerdos femininos. É a mais imponente e
delicada das nebuliáceas. O único – e
mínimo, irrelevante! – inconveniente é que, quando sua nuvagem amua e cisma de
passar muitos dias sem chover, as lelenopódias (a Mimodestrata, igualmente) contaminam
uma vasta área em torno de si com um insuportável cheiro de chulé. Eu, porém,
que tenho pouco olfato e nenhum guarda-chuva, devo admitir: prefiro mil vezes
tal olor às trombas d’água de rinocerontes das lelenoceronteninas.
Flávio
facing a beast
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Fernando Domingues . . . .. . .. .. . .
Se você achou ruim essa moldura de garrafas,
experimente beber o que elas trazem dentro: Underberg, a bebida predileta do Flávio
Pinto Vieira, o paquiderme que o Fernando retratou à direita. Dizem que o Flávio
morreu e foi para o Inferno, porque não acreditava no Céu. Mentira: ele jamais
iria para um lugar no qual, sabidamente, o Underberg evapora. A verdade é que
ele voltou para o Egito (onde estivera exilado nos tempos da ditadura), para
mumificar-se – com Underberg – e tornar-se um charmoso e imortal hipopótamo.
Rinocerontem
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Marcel Zaner. . .. ..... . .
O rinocerontem, segundo o Marcel, é um ancestral
já extinto do rinoceronte. Tenho cá minhas dúvidas. Para mim, esse animal é simplesmente
um produto de orgias, não muito antigas, entre um rinoceronte moderno, uma
lagartixa, um pernilongo e o camundongo Mickey.
Face
contra face
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Marcantonio Costa. . ... . ... . .
Aos 13 anos, Marcantonio decidiu o que seria
quando crescesse: rinoceronte. Pretensioso, como todo adolescente normal,
tratou logo de sair por aí testando a vocação especialíssima. Seu alvo
preferido: as
fêmeas – e a primeira a provar de sua chifrada sedutora foi “tia” Neolinda, a
professora de História. Numa prova que constituía-se de uma única questão
dissertativa – “O que foi o Tratado de Tordesilhas?” –, o poeta mais badalado do momento no
Baixo-Baixada respondeu em versos, com uma interpretação um tanto pessoal do
famoso acordo luso-espanhol. Das cinco quadras de “Pra lá das Tordesilhas,
Tiazinha” – em impecáveis redondilhas com rima que br(ilha) soberana do
princípio ao fim –, reproduzimos as três centrais (que a primeira é descartável
e a quinta, impublicável!):
O rinoceronte, filha,
No além-fogo da braguilha,
Será tua luz que rebrilha
Em cada tordo, toda ilha
E nas demais maravilhas
Mapeáveis em ti, por milhas,
Dos Andes das panturrilhas
À Amazônia das virilhas,
A levar a cima, em quilha,
Os meus olhos que estribilhas
Com, dos seios, as redondilhas
Que a minha língua dedilha.
Anotação de dona Neolinda na prova: “Nota
9,5. Não dou 10 porque sou ruim em Geografia. Se fosse boa, eu dava.” E esta última
frase, sem objetos direto e indireto explícitos, tornou-se a frondosa dúvida
que ainda hoje martela e instiga a libido lírica do bardoceronte já feito.
Veja a primeira manada, aqui.
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